quarta-feira, 11 de maio de 2011

Retratos da Vida 9


Rio de Janeiro.
 
Dois dias antes do Carnaval, sou premiado. Chega um advogado alemão, recomendadíssimo, o Dr. M, com quem tenho um trabalho daí a dez dias.

Falo francamente: “Olhe, eu não esperava V. agora, vou viajar e, ademais, ninguém faz nada nesta cidade nestes dias. O melhor é que V. tire umas férias. Vou arranjar entrada para os bailes, para o desfile e, na minha volta, V. vai estar novo em folha.”

Naquele tempo ainda havia baile no Municipal. Consigo a entrada e a dou ao M  com todas as instruções devidas.

M é um alemão branquelo, ruivo e com um belo e incomum cavanhaque. Acha-se um grande atleta, campeão europeu de karatê e de hipismo ( salta com um cavalo baio castrado, que atende por ‘Casanova’, salvo seja). Apesar desses atributos, fisicamente é de dar pena.

Volto da viagem, acabou o Carnaval. M  está outro: queimado, esportivo, à vontade.

Pergunto: “E o Carnaval ? ”

“Carlos, adorei ! Foi tudo fantástico ! ”

“E do que V. mais gostou, dos bailes, do desfile ? ”

“Sem dúvida do baile do Municipal ! Imagine que eu cheguei lá, meio tímido, sem conhecer ninguém no meio daquela multidão, e então resolvi ficar encostado numa coluna, vendo o movimento. Logo veio uma linda moça, vestida de fada, e me deu uma pancadinha com a vara de condão; depois uma de bruxa, levei uma vassouradinha; um rapaz de diabo, espetou-me com um tridente ! Tudo muito divertido ! O gran finale veio logo a seguir: chegou um preto enorme, vestido de gorila. Dançamos a noite inteira !   Foi mesmo maravilhoso !”

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Retratos da Vida 8

Santos.
 
Tempos áureos. O café fazia as pessoas ricas, sofisticadas, inteligentes e com tempo disponível para brincadeiras.

Ainda não era moda ser gay. Os poucos que ousavam exibir a condição, se pobres, eram execrados; se ricos, olhados como exóticos.

MG, o M...sinho, era rico e gay. Baixo, gordote, sempre exalando o perfume da moda, só vestia ternos de albene, brancos, com camisas de palha de seda e gravatas finíssimas.

Corretor de café, o que os comissários-exportadores diziam fazia lei para ele.

“M...sinho, quer participar de uma orgia daquelas ?” pergunta-lhe meu tio, Francis, o amo e senhor preferido.

“Claro, o que é que eu tenho que fazer ? “

“Muito simples, estou dando uma festa em casa, sábado, coisa muito discreta e fina, só com a nossa gente, que é para ninguém se constranger, e umas “girls” argentinas, dispostas a tudo. Quando for meia-noite, apago as luzes, dou um sinal e, pronto ! Todo mundo fica nu, e seja o que Deus quiser !”

“Francis, só você para ter uma idéia dessas. Vai ser maravilhoso !” exulta o gamo.

“Mas é segredo, veja lá se não vai espalhar para toda a Rua XV !”

Bastou pedir sigilo para M...sinho ir de porta em porta, excitadíssimo, anunciar que finalmente fora convidado para uma das festas do Francis Forbes. O máximo na escala social.
 
Preparou-se como nunca. Chegou a por perfume até na brilhantina, sem contar com outros lugares, menos votados.

Começa a festa. Tudo como fora prometido. Os amigos, mulheres lindas, alguns homens interessantes, a melhor comida e a melhor bebida.

Muita bebida. M...sinho alcança as portas do paraíso. Está em seu grande momento. Nem Oscar Wlde, aliás largamente citado por ele, teria feito maior sucesso naquela noite.

Passa o tempo. Quase meia-noite.

M...sinho sua abundantemente, muito cheiroso, é verdade. Aos poucos vai-se aproximando do centro da grande sala, onde há uns sofás prontos para a ação e umas cômodas e mesas que parecem feitas para que lá se deixem as roupas.

Meia-noite. Francis afasta os garçons, que afinal de contas o espetáculo era selecionado. Apaga as luzes.

“Todo mundo nu !”  grita. “Três minutos. É tempo de sobra !”

M...sinho, treinado, fica nu em trinta segundos. Espera, sobranceiro, que os outros acabem. Quantas revelações ! Quantas surpresas !

Acaba o tempo. As luzes se acendem. M...sinho tem uma surpresa apenas,  mas daquelas inesquecíveis. Só ele estava nu. Os outros, avisados, formavam um círculo de admiradores em volta dele.

Contra a má-fortuna, coração aberto ! M...sinho não falha.

“Sirvam-se !” declara, heróico e conformado.

E não é que alguns se serviram ...

Retratos da Vida 7

São Paulo

Meu irmão Raul , dono do “ABAPORU’, resolve vendê-lo. Comoção nacional. Como deixar que o país perca esse tesouro, etc.etc.

Antes da venda, tem uma idéia ótima. Pede a dez dos maiores pintores brasileiros contemporâneos que façam suas releituras do  “ABAPORU’.

Ficam lindas. Compro uma delas, na minha opinião, a melhor, a de Antonio Maia. Penduro na minha sala, em lugar de visão imediata e obrigatório para quem adentre.

Faz-se a venda, em New York, com uma publicidade nunca vista. Todos (ou pelo menos assim pensei) ficam sabendo o que é o “ABAPORU” e passam a entender sua importância e seu significado.

Dois meses depois: vai ao meu escritório um casal de clientes, extremamente emergentes. Ela, perua de carteirinha. Gostam de tudo. Elogiam a decoração para a secretária. Passam por finos e cultos.

Até entrar na minha sala. Ao olhar o quadro e sentir-lhe o impacto, a moça fala, do fundo do coração:

“Doutor, que maravilha ! Eu nunca pensei ver o “BABALU” assim de tão perto ! “

Quem explica ? Freud ou Angela Maria ?

Retratos da Vida 6


São Paulo.


Antiquarius. O melhor restaurante da cidade. Português até a raiz dos cabelos.

Como sempre, peço o bacalhau “nunca chega”, antegozando-lhe  as delícias.

Vem uma droga. Chegou, na primeira garfada.

Tenho convidados. Não faço a reclamação merecida. Apenas devolvo o prato quase inteiro.

No Antiquarius isso é um escândalo. Carlos Bittencourt, o luso sócio-gerente, fica rondando a mesa, louco para falar-me. Pago, levantamo-nos. Chegou a oportunidade.

“O Dr. Carlos não ficou muito satisfeito, pois não”  indaga o luminar das caçarolas.

“Claro que não, Bittencourt, estava horrível !” respondo.

“Bem que eu sabia, bem que eu sabia” lastima-se, “Quando eu vi o Dr. Carlos pedir esse prato, eu já sabia que não ia dar certo ! “

“ Ora, Bittencourt, por que ? “ pergunto ingenuamente, esquecido de onde estava e com quem falava.

“É que o cozinheiro que sabe fazer o prato não veio trabalhar hoje, pois”  esclarece o digno representante de sua raça ...       

Retratos da Vida 5


Lisboa.

Meu amigo, Mauritônio Meira, iniciando uma longa carreira de viagens mais ou menos gratuitas, aluga um carro e, com Maria Helena e outro casal, inicia uma excursão pela terrinha.

Sair de Lisboa não é fácil, embora a língua nas placas pareça estranhamente familiar. Chegaram a um campo, mas não se sabe onde ! Não há outra maneira senão perguntar a rota.

Deparam-se com um campônio a filosofar. Mauritônio, diplomata nato, abre a janela e, com toda a delicadeza, informa:

“Meu amigo, eu queria ir a Sintra ...”

“E por que não vai ? - indaga o saloio, perplexo...

Retratos da Vida 4


Bráulio está de regime, compenetradíssimo.
Vamos a um restaurante. Vigia tudo o que como, dá conselhos, pontifica. Eu desisto de discutir e observo o mestre da dieta em ação.

“Salada eu posso comer sem limite; cenourinha, pepinos, abobrinha também !”

Para prová-lo, enche um prato de ogre de conto de fadas. Um prodígio de equilíbrio. Enquanto se prepara para enfrentá-lo, encomenda ao maître o prato principal.

“Eu quero uns filezinhos de mignon de cordeiro, apenas rosados, bem rosados. Se não vierem assim, devolvo. Uma ou duas cebolas assadas (eu posso comê-las sem problemas) para enfeitar.”

Vencida a salada, sem resistência e com notável agilidade, chegam os tais filezinhos.

“Mas estão passados demais ! Eu não avisei ? Mande fazer outros, por favor, estes não dá para comer. Mas deixe o prato aqui, para eu poder pelo menos comer as cebolas, enquanto espero.

“ Claro, um momento só !”

 Chega o novo prato, na perfeição. O garçon coloca mais uma travessa de cebolas assadas (brinde do maître) e se prepara para trocar os mal-falados e bem-passados filezinhos anteriores.

“Surpresa geral. Onde estão ? Ficara apenas um leve vestígio de molho. Um gato ? Um descuidista ?

Bráulio enfrenta a realidade: “Acho que me distraí e comi todos ! Que coisa, e estavam tão fora do ponto que gosto ! Paciência, vamos agora aos novos, estes sim com aspecto maravilhoso ! “

Aspecto e paladar. Não sobreviveram mais de dois minutos...

Os companheiros de mesa, amigos e compreensivos, nada comentaram. Bráulio, entretanto, não se contém:

“Vocês viram como eu sou capaz de seguir rigorosamente o meu regime ?

“Não resisto: “Seguir, pegar e devorar, não é mesmo ? Parabéns pela força de vontade.”

“Mire-se no meu exemplo, meu caro, é só questão de disciplina !”
 
Vivendo e aprendendo ...

Retratos daVida 3


Estou ocupado. Não quero ser interrompido.

“Dr. Forbes, é a D. Mariazinha. Diz que é urgente.”

“Pergunte se também é importante.”

“Diz que é muito urgente, mas não muito importante.”

Resolvo atender. “Dr. Forbes, Mariazinha: diga-me, o senhor prefere goiabada de cascão ou de colher ? “

“Como ?” – “É que estou no supermercado comprando para o senhor. Por isso era urgente, embora não muito importante !”